quarta-feira, 1 de abril de 2015

Brasil foi o único país da América Latina a mascarar golpe com ‘ar democrático’

                            HISTORIAS DO BRASIL

A ditadura brasileira foi a única a utilizar-se de outros Poderes para legitimar um regime de exceção, conforme especialistas em ditaduras militares na América Latina. Em comparação com os regimes ditatoriais do Chile, Argentina e Uruguai, por exemplo, a ditadura brasileira pode não ter sido a mais violenta em número de mortes, mas isso não significa que ela foi menos cruel com seus opositores.
O professor-doutor de História do Brasil da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Renato Luís de Couto Neto e Lemos, afirma que o regime militar brasileiro teve algumas peculiaridades como um regime econômico voltado ao desenvolvimentismo e à visão de que os demais Poderes – Judiciário e Legislativo – eram essenciais para a manutenção do regime de exceção. “Era muito complicado dominar apenas com base na força”, afirma o professor.

Ele cita como exemplos dessa relação dos demais Poderes com o regime militar a própria implementação do Ato Institucional Número 2 (AI-2) e do Ato Institucional Número 5 (AI-5). O AI-2 instituiu as eleições indiretas, extinguiu o pluripartidarismo, determinou a perda dos direitos políticos aos opositores ao regime, entre outras ações. O AI-5 determinava, entre outras ações, poderes extraordinários ao presidente da República, suspendia o foro privilegiado, implementava a liberdade vigiada e proibia atividades e manifestações sobre assuntos de natureza política.
Lemos também aponta como características tipicamente do regime ditatorial brasileiro, em comparação com outros regimes de exceção na América Latina, um modelo de desenvolvimento baseado nas políticas econômicas do presidente norte-americano Jimmy Carter. Algo que não ocorria nos demais países da América Latina.


Já para o professor Cristiano Paixão, da Universidade de Brasília, a ditadura, na realidade, utilizou-se dos Poderes republicanos para dar sustentação ao regime. Para ele, sempre se tentou dar ar de legalidade a atos que eram flagrantemente ilegais. “Durante o regime militar, utilizou-se o Direito para se negar o princípio do Estado Democrático de Direito”, analisa professor. Ele também cita o AI-5 como um exemplo disso. “Com esse ato, tentaram dar uma forma de legalidade ao regime”, pondera.

A professora titular aposentada da Universidade de São Paulo (USP), doutora em História Social pela USP, Maria Aparecida de Aquino, também tem pensamento semelhante. “Existia um ar democrático para algo que não era democrático”, aponta a professora. Em comparação com outros regimes na América Latina, a professora faz outra ponderação. Na visão dela, apesar de algumas semelhanças com outros regimes da América Latina, como a participação norte-americana em golpes no Chile, Argentina e Uruguai, “o projeto de poder nem sempre era o mesmo”.

Em número de mortes, o processo de repressão da ditadura brasileira é considerado menos violento que o dos demais países da América Latina. Na Argentina, morreram 30 mil militantes de esquerda em sete anos de ditadura; no Chile, o governo reconhece 9,8 mil execuções. No Brasil, os números apontam 437 vítimas do regime ditatorial. Entre os quais, existem pelo menos 140 desaparecidos.
Para Aquino, o número de desaparecidos no Brasil mostra uma outra face do regime. “É muito mais doloroso para uma família saber que não poderá ter acesso ao corpo do parente. É uma dúvida permanente”, aponta.

Já Paixão relativiza o número de mortes na América Latina. Para ele, não é porque o Brasil teve um número menor de executados, que a ditadura brasileira foi menos rigorosa que nos países vizinhos.  “Não dá para medir a intensidade do golpe com base no número de cadáveres”, afirma o professor da UNB.


Lemos, do outro lado, acredita que justamente pelo fato de os militares cercarem-se de estruturas democráticas, “a repressão no Brasil ocorreu de forma mais seletiva”. “Não era melhor nem pior. Era apenas diferente”, assinalou o professor.

Fonte: iG

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